Uma abordagem circunstanciada do crime previsto no art. 168-A do Código Penal.
O delito de apropriação indébita previdenciária encontra previsão legal no art. 168-A do Código Penal. O bem jurídico tutelado, nesta espécie, é o patrimônio de todos aqueles que fazem parte do sistema de seguridade, notadamente o previdenciário.
Parte da doutrina sustenta a inconstitucionalidade de tal conduta em razão da proibição de prisão civil por dívida, por expressa violação da norma constitucional insculpida no art. 5º, inciso LXVII, da Constituição da Republica de 1988.
Por ausência de previsão legal, não se imputa o delito às pessoas jurídicas, mas tão somente aos seus administradores.
Em que pese a expressão “deixar de repassar” indique a existência de crime omissivo, parte da doutrina, a exemplo de Rogério Sanches Cunha, embora com posição minoritária, sustenta haver crime de conduta mista, ou “comissivo omissivo”, eis que, antes de deixar de repassar a contribuição à previdência social, o sujeito ativo recolhe a contribuição previdenciária dos contribuintes.
Quanto ao elemento subjetivo do tipo penal, atualmente ambos os Tribunais Superiores têm entendido pela exigência tão somente do dolo genérico, a exemplo do que fora decidido na AP 516, não sendo necessária a demonstração de dolo específico para a configuração do delito.
No que se refere à possibilidade de continuidade delitiva, a resposta é positiva. Há julgados no Superior Tribunal de Justiça nesse sentido (vide AgRg no REsp 1.574.813/PR, DJe 01/08/2016), inclusive permitindo a incidência de tal instituto em empresas diversas, desde que integrem o mesmo grupo econômico (vide REsp 859.050/RS, DJe 13/12/2013).
Cuida-se de delito formal, conforme doutrina majoritária, muito embora exista julgado em sentido oposto no Supremo Tribunal Federal ( Inq. 2.537/GO, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 13/06/2008), entendendo a Corte tratar-se de crime material.
Tal orientação, bem demonstrada pela doutrina de Rogério Sanches Cunha, condiz com a postura já adotada pelo STF no sentido da necessidade de esgotamento da via administrativa como pressuposto para intentar ação penal nesse tipo de crime, conforme disposição da Súmula Vinculante n. 24, aplicável aos delitos contra a ordem tributária dispostos na Lei 8.137/90. Esse também é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em decisão exarada nos autos do AgRg no REsp 1.644.719/SP, DJe 31/05/2017.
Inicialmente, a extinção da punibilidade desse delito dava-se com a aplicação do art. 34, da Lei 9.249/95, em razão do pagamento em momento anterior ao recebimento da denúncia.
Em momento posterior, o art. 164-A, § 2º, do Código Penal, previu a extinção da punibilidade mediante o cumprimento dos requisitos estabelecidos em lei, quais sejam:
a) declaração e confissão da dívida;
b) efetuação do pagamento de forma espontânea;
c) pagamento antes do início da execução fiscal.
Mais tarde, com o advento da Lei 10.684/2003, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de extinguir a punibilidade do agente mediante pagamento do tributo em qualquer tempo, em obediência ao disposto no art. 9º, § 2º, da referida Lei. Pouco depois, em caminho convergente, previu o art. 69, da Lei 11.941/2009, e, em seguida, pela Lei 12.382/11, que conferiu nova redação ao art. 83, § 1º, da Lei 9.430/96.
Anote-se que o parcelamento do débito tributário suspende a prescrição, conforme disposição do art. 9º, Lei 10.684/03.
Por fim, o Supremo Tribunal Federal (informativo 731) firmou entendimento no sentido de que o pagamento dos débitos tributários gera extinção da punibilidade, ainda que se dê após o julgamento da ação penal, mas desde que antes do trânsito em julgado.
É possível haver a incidência do perdão judicial nessa espécie de delito. A previsão legal encontra-se estampada no § 3º do art. 168-A do Código Penal. Os requisitos para a incidência de tal instituto são os seguintes:
a) se agente é primário e ostenta bons antecedentes;
b) se o agente promove o pagamento dos débitos previdenciários após o início da execução fiscal, mas antes do oferecimento da denúncia;
c) o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.
Esse último requisito permite, inclusive, a incidência do Princípio da Insignificância. No entanto, é possível adentrar no mérito dos valores a serem considerados para fins de instauração ou não de ação penal.
Em sede normativa, tem-se que o valor mínimo para a execução fiscal encontra-se descrito no art. 20, da Lei 10.522/2002, qual seja, R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Todavia, a Portaria nº 75/2012, do Ministério da Fazenda, estabelece como valor mínimo para o ajuizamento de execução fiscal a importância de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
Nesse sentido, há duas posições que se divergem em sede de Tribunais Superiores:
O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de considerar, para fins de reconhecimento de atipicidade da conduta, o valor mínimo de R$ 10.000,00 (dez mil reais), conforme previsão legal (vide REsp 1.419.836/RS, DJe 23/06/2017).
De outra via, o Supremo Tribunal Federal tem considerado o valor estabelecido nas Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda, muito embora seja possível vislumbrar julgado do Superior Tribunal de Justiça nesse mesmo norte. Sobre o tema, confira-se: STJ. REsp 1.709.029/MG, 28/02/2018. STF. HC 122213, 27/05/2014.